O termo populismo foi cunhado na década de 40, inicialmente para descrever medidas adotadas pelos governantes que atuavam exclusivamente com vistas à obtenção de popularidade, por meio da realização de medidas sem qualquer amparo em elementos capazes de comprovar a efetividade destas.
O populismo, comumente, está associado aos líderes carismáticos, em países onde há grandes problemas sociais, miséria e pobreza.
Tais medidas podem ser observadas em quase todas as áreas de atuação estatal, como, por exemplo, na distribuição de cestas básicas às comunidades carentes, em detrimento à realização de políticas educacionais ou de saúde, na construção de obras “faraônicas” sem qualquer utilidade social, entre outras.
Com o passar dos anos, a crescente massificação dos meios de comunicação, somada ao fenômeno social que se classificou como “sociedade de riscos” [1], levou ao surgimento de uma nova modalidade de populismo, o populismo punitivo.
Essa modalidade de populismo tem suas bases em dois fatores, quais sejam:
- Os discursos de pânico e de medo, segundo os quais os índices de criminalidade e de violência são alarmantes. Estes discursos são difundidos, principalmente, através de alguns meios de comunicação de massa, o que caracteriza a sua vertente midiática;
- Os membros dos Poderes instituídos, especialmente, os membros do Executivo e Legislativo, aproveitando a sensação de insegurança criada pela propagação deste discurso do medo, e, sob o falso pretexto de solucionar esta situação, editam leis casuais, sem bases dogmáticas, em desacordo com critérios coerentes com preceitos político criminais, o que, na maioria das situações, redunda em legislações ineficazes, sem contar a clara incoerência destas com os preceitos constitucionais vigentes.
Sintetizando: A violência desperta a atenção da população, o que torna a exploração de condutas criminosas algo rentável, em termos de números de audiência para os meios de comunicação, e, por conseqüência, o fato dos políticos “empunharem a bandeira” do combate a criminalidade acaba atraindo dividendos eleitorais, ou seja, rende votos.
Como evidentes exemplos da adoção desta política criminal, podemos citar a edição da recente lei número 12.654/12 - que trata da coleta do material genético como forma de identificação criminal; do projeto de lei aprovado pelo Senado Federal e enviado à sanção da Presidente da República, que aborda uma nova configuração a conduta de Lavagem de Capitais; e, para completar as pérolas legislativas, existem atualmente, em trâmite no Congresso Nacional, alguns projetos de lei[2] que tratam da Castração Química daqueles que praticarem crimes atentatórios à dignidade sexual de crianças e adolescentes.
Em breve síntese, trataremos cada uma delas.
No que diz respeito à Lei 12.654/12, importante salientar que foi criada com vistas a ampliar os meios de investigação postos à disposição das autoridades, especialmente, por conta do surgimento de novas tecnologias, as quais permitem, por exemplo, o mapeamento genético dos indivíduos.
Com o advento da Lei 12.654, ao artigo 5º, da Lei 12.037/09, foi acrescido um parágrafo, autorizando, nas hipóteses do artigo 3º, inciso IV (que trata da identificação quando esta for essencial para a investigação criminal), a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético do investigado.
É evidente que este artigo foi concebido a fim de possibilitar novo meio de investigação criminal, como resposta (ou possível solução) aos elevados índices de crimes que não são solucionados (cifra negra), conforme noticiado pelos meios de comunicação.
No afã de resolver essa situação, e dar uma resposta à sociedade e a imprensa, o Legislador editou uma norma evidentemente inconstitucional, pois, ao obrigar o investigado a realizar o exame genético, infringe-se o consagrado princípio do nemo tenetur se detegere, segundo o qual ninguém é obrigado a produzir provas contra si.
Em resumo: Ao invés de investir na qualificação do corpo policial, ou na estruturação da policia, e dos órgãos de investigação, o legislador editou lei evidentemente inconstitucional, classificando-a como solução para os problemas relacionados aos crimes de autoria ignorada.
No que diz respeito à nova lei de combate à ocultação de bens de origem ilícita – Lavagem de Dinheiro - foi aprovada no Congresso Nacional e enviada à sanção da Presidente da República.
Importante salientar que houve ampliação do alcance da lei, o que, para muitos juristas[3], levou à banalização do instituto.
A novel legislação retirou a necessidade de se comprovar a existência de crime antecedente para a configuração do ilícito financeiro.
O leitor provavelmente tem ciência da teoria acerca da Lavagem de Dinheiro, segundo a qual, os delitos dessa espécie podem ser considerados em 03 (três) gerações: A primeira geração diz respeito aquela lei de combate que dispõe de um único crime antecedente para a configuração da ocultação de bens ilícitos, qual seja, a tráfico de entorpecentes.
Na segunda geração, há ampliação de condutas antecedentes, mas o rol continua sendo taxativo, ao passo que, na terceira, não há mais indicação de condutas consideradas antecedentes, pelo que a ocultação de bens e vantagens oriundos de quaisquer crimes ensejará a prática de lavagem de capitais.
Muitas críticas têm sido feitas ao projeto de lei aprovado pelo Congresso nacional, especialmente por setores ligados à advocacia[4], afirmando que a nova lei não aderiu à terceira geração, mas estabeleceu a responsabilidade penal objetiva, pois, aquele que mesmo não tendo ciência da origem ilícita do bem, porém usufrui deste, estará incurso na prática do crime de lavagem de dinheiro.
Mesmo não concordando com essa posição, entendemos que o maior erro do referido projeto de lei está nas circunstâncias momentâneas do país, uma vez que o próprio relator do projeto na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, o Senador José Pimentel, declarou que a aprovação do projeto era uma resposta necessária que a casa deveria dar a população em virtude das denúncias que motivaram a instauração da “CPI do Cachoeira”.
Ou seja, um dos responsáveis pelo projeto assumiu que este foi aprovado como forma de dar “uma resposta à sociedade” por conta de fatos que ainda estão sob investigação.
Cremos ser este um claro exemplo de populismo legislativo, pois, para se dar uma rápida resposta à sociedade, subjuga-se os princípios relacionados à dogmática penal e política criminal.
Por último, temos a sempre veiculada proposta de imposição de castração química aos autores de crimes contra a dignidade sexual (vide nota de rodapé número 02).
Todas as vezes que são noticiados crimes contra a dignidade sexual, especialmente quando as vítimas são crianças, surgem comentários acerca da imposição da castração química como pena a ser imposta ao autor da conduta.
Sem entrar no mérito da efetividade ou não desta medida, ressaltamos o fato de a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XVLII, alínea e, vedar a imposição de penas cruéis.
Independentemente da posição pessoal acerca destes temas, tais casos foram postos à reflexão a fim de exemplificar a utilização do discurso do medo como meio de obtenção de vantagens, sejam elas econômicas (os programas chamados de “policiais” estão entre os mais assistidos), ou eleitorais (os políticos utilizam o combate à violência como “bandeira eleitoral”).
O maior problema do populismo punitivo majorado pela mídia, a nosso ver, é a influência que o discurso do medo causa na população, especialmente naqueles que dispõem de menor acesso à informação.
Já em 1980, na obra intitulada “O livro dos Abraços”, no texto “Cultura do Terror 6/6”, Eduardo Galeano escrevera sobre a influência da mídia nos cidadãos, fato que apesar de relatado em um livro de contos, exemplifica com clareza a idéia central do presente.
“Pedro Algorta, advogado, mostrou-me o gordo expediente do assassinato de duas mulheres. O crime duplo tinha sido à faca, no final de 1982, num subúrbio de Montevidéu.A acusada, Alma Di Agosto, tinha confessado. Estava presa fazia mais de um ano; e parecia condenada a apodrecer no cárcere o resto da vida. Seguindo o costume, os policiais tinham violado e torturado a mulher. Depois de um mês de contínuas surras, tinham arrancado de Alma várias confissões. As confissões não eram muito parecidas entre si, como se ela tivesse cometido o mesmo assassinato de maneiras muito diferentes. Em cada confissão havia personagens diferentes, pitorescos fantasmas sem nome ou domicílio, porque a máquina de dar choques converte qualquer um em fecundo romancista; e em todos os casos a autora demonstrava ter a agilidade de uma atleta olímpica, os músculos de uma forçuda de parque de diversões e a destreza de uma matadora profissional. Mas o que mais surpreendia era a riqueza de detalhes: em cada confissão, a acusada descrevia com precisão milimétrica roupas, gestos, cenários, situações, objetos... Alma Di Agosto era cega. Seus vizinhos, que a conheciam e gostavam dela, estavam convencidos de que ela era culpada.
- Por quê? – Perguntou o advogado.- Porque os jornais dizem.- Mas os jornais mentem – disse o advogado.- Mas o rádio também diz – explicaram os vizinhos. – E até a televisão!”.
[1] Jesús Maria Silva Sanchez. La expansion del Derecho Penal: Aspectos de la Política Criminal em las siceidades postindustriales. 3. Ed. Buenos Aires – Edisfer, 2011. P.13.
[2] Não conseguimos especificar quantos e quais são os projetos de lei que versam sobre o assunto, havendo notícia do PSL5577/07 – Senado Federal, e o projeto de lei apresentado à Câmara Federal no início de 2011. Importante salientar que é muito provável que seus autores não lograrão êxito na aprovação destes, contudo, só o fato desta proposta ter sido veiculada e a defesa destes feitas nos meios de comunicação, já resta demonstrada o caráter populista dado a estes.
[3] Jornal o Estado de São Paulo, 06.06.2012.
Juizados Especiais Criminais - v.49
Acácio Miranda